Direitos Humanos

BRASIL
Desvendando o Silêncio das Igrejas Evangélicas aos 60 Anos do Golpe Militar

Altamente participativa na política nos últimos anos induzindo abertamente o voto dos fieis,
não supreende sua omissão nesta data de suma importância da história brasileira

“Para os que desejam se converter eu tenho a Palavra de Deus, para quem não quiser há outras alternativas [apontando a sua pistola]”, pastor evangelico-batista Roberto Pontuschka, na ditadura militar, famoso por torturar presos à noite e de dia distribuir Bíblias aos presos políticos nas dependências da Oban de São Paulo

7 de abril de 2024

Decisiva na eleição de Jair Bolsonaro em 2018 e antes disso, fortemente influenciadora da derrubada ilegal da então presidente Dilma Rousseff em 2016, e cada vez mais presente através de representantes nos próprios poderes Executivo e Legislativo Brasil afora, as igrejas evangélicas mantiveram, como sempre nesta data inglória desde a “redemocratização”, o mais absoluto silêncio no aniversário de 60 anos do golpe militar no último dia 1.

Durante a campanha presidencial de Bolsonaro, ouvia-se frequentemente de líderes no interior das “politizadas” casas religiosas em questão, coisas do tipo, “aceitem meus conselhos político-espirituais” abertamente induzindo, com sua tradicional ambivalência entre espiritualidade e neurolinguística (naquela oportunidade, nada sutil), os fieis a votar no ex-militar. Com a velha retórica da imposição do medo em cima da criação de fantasmas para completar a manipulação, “se a esquerda [Fernando Haddad] ganhar […]”, reforçando a já forte fobia entre suas massas.

Não por mero acaso não há, para tais “práticas”, nenhum controle judiciário visto que as letras mortas (sempre para setores mais privilegiados da sociedade) das leis brasileiras proíbem indução ao voto eleitoral dentro das igrejas, considerado crime. Mas tais “atividades” são realizadas corriqueiramente, abertamente eleição após eleição sem que nada ocorra em termos de justiça ao mesmo tempo que simplesmente não há casos, na Justiça eleitoral, de candidatos cassados por irregularidades cometidas nas empresas da fé.

Para o delito da propaganda eleitoral, a lei é branda: multa que varia entre R$ 2 mil a R$ 8 mil a donos dos templos e políticos envolvidos. Para se ter ideia mais exata do tendencioso rigor da lei penal brasileira, considere-se que há pais de família ajudando a lotar os presídios do País por período relativamente longo, por ter furtado (sem uso de armas nem nenhum tipo de violência) um saco de feijão em alguma grande rede de supermercados, ou por desacato a alguma autoridade (inclusive políticos, ou até mesmo líderes religiosos). Nestes casos, a regra é uma rapidez incrível, desproporcional na atuação do sistema de justiça brasileiro.

Por isso tudo, o coro silencioso com a Igreja Católica pelo golpe militar das igrejas evangélicas diferencia-se de maneira sensível daquela, e não supreende mesmo considerando que, semanas antes em 25 de fevereiro, os evangélicos haviam saído massivamente às ruas de São Paulo em manifestação pró-Bolsonaro. Organizada e liderada por este setor, a passeata na capital paulista fora qualificada pelo pastor Silas Malafaia de ser “em defesa do Estado democrático de direito, em favor da democracia e da liberdade de todo o povo brasileiro”.

Hoje, as igrejas evangélicas em geral continuam tão ultrareacionárias quanto as vésperas do golpe de 64, sem ter avancado um centimetro neste ponto. Suas ideias, seus costumes e os métodos são rigorosamente os mesmos de mais de 60 anos atrás. Sai ditadura entra Bolsonaro, sai Bolsonaro entram tipos como Malafaia e Macedo em cena “pela vida”, e tudo segue igual nestas casas.

Espírito ultrarreacionário e estratégia suja das lideranças evangélicas iguais hoje, apoia-se na fobia e desinformação dos fieis criando fantasmas inexistentes. Esta mentira consciente criada nos anos 80 contra Lula, utilizada na campanha presidencial/2022

Lei criada em 22.12.2003

Leia: 60 Anos do Golpe de 64: A Institucionalização da Impunidade

A “politização” evangélica com forte apelo patriótico e moralista, oportunista, tendenciosa, sempre repleta de contradições e claramente seletiva, neste macabro aniversário do golpe de 64 em que muda de posição (marca registrada quando lhe convém) “focada exclusivamente no Reino dos Céus” nestes dias, possui razões bem conhecidas para a repentina mudança. Motivos que não podem, diante da opinião pública, acompanhar seu silêncio pela ditadura militar.

Comemoração dos 150 anos de independência do Brasil do Instituto Adventista de Ensino. Como as protestantes em geral, a Igreja Adventista exerceu forte apoio propagandístico à ditadura. Baseada no patriotismo ufanista, a ideia contida no conjunto da propaganda ditatorial reverberada pelos protestantes, “quem ama a Deus ama o Brasil”, trazia na essência a mensagem de que quem reclamava da situação do País era herege, potencial “perigo comunista” a ser calado. Os verdadeiros fieis a Deus “apoiavam o Brasil em tudo”, “sem julgamentos”, limitando-se a orar. Dentro das igrejas o ambiente era carregado, fortemente opressor neste sentido e suas lideranças, colaboradas pelos fieis, atuavam como informantes do Estado: delataram diversos membros que discordavam do regime. Muitos foram presos e torturados pelos militares. Houve “mudança”(mais aparente) de regime mas as ideias, o ambiente opressor e os métodos seguem os mesmos hoje nessas casas; o “verde e amarelo”confunde-se com a Bíblia em seu mais amplo sentido (imagem: Unasp)

Seria acompanhar seu “amém” descarado a esta “politização” obscurantista que prima pela ausência total de autonomia reflexiva, deixar passar desapercebida parte da história recente que a enovle especialmente nesta ocasião que memoriza tempos inacabados em que as aparentemente legalistas igrejas evangélicas prepararam o clima político para a derrubada do governo constitucional de João Goulart (“ação divina”). Valendo recordar novembro de 1963 quando, meses antes do golpe militar, milhares de evangélicos realizaram o Dia Nacional de Jejum e Oração pela Pátria, “para que Deus salve o País do perigo comunista”.

Leia: Golpes Militares na América Latina – Brasil: Derrubada da Democracia em Nome da Democracia

Sob e lema “pelo Senhor marchamos”, apoiaram fervorosamente e de maneira quase unânime o golpe de Estado legitimando-o às multidões: em 21 de abril de 1964, nova manifestação de evangélicos agradeceu a Deus por ter “ouvido as orações de seu povo”.

O Globo, 7 de Setembro de 1976, página 3

“Em defesa da palavra de Cristo, da pátria amada e dos valores do capitalismo de livre mercado”, forneceram inclusive suporte logístico para a localização de civis inocentes por parte dos ditadores, assim como para as subsequentes torturas e assassinatos de muitos deles.

A Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo, por exemplo, em nome dos “valores” acima, possuía um Comando de Caça aos Comunistas (CCC): dentro da histeria criada por estes setores em parceria com os militares, qualquer um que nao apoiasse o regime e seus “valores”, era comunista confome já observado mais acima.

Em 2 de outubro de 1968 um estudante do Mackenzie membro do CCC, assassinou com um tiro na cabeça outro estudante da USP (Universidade de São Paulo) de 20 anos. Os estudantes e defensores em geral do regime miliar eram considerados, então, pacíficos patriotas em defesa da liberdade e os opositores, rotulados agressivamente de “terroristas” que desejavam subrveter a pátria e, diziam como até hoje é dito por muitos no País, “trocar as cores da bandeira nacional de verde e amarelo para vermelho”.

Hoje arcamos com as consequências desses “valores”, da “intervenção divina” provocada pelos brasileiros “escolhidos de Deus”, “para Deus” e “para a política” (quando assim decidem os donos dos templos menos transparentes que o próprio sistema político corrupto, com suas cordas imaginárias e bastante eficazes na nada louvável arte de direcionar massas).

Deixar passar essa parte da história desapercebida seria também passar borracha na própria história (ainda mal-contada) da ditadura militar, de péssima memória neste País. Seria, o pior de tudo, fortalecer a onda autoritária da idiotização coletiva que toma conta do Brasil nos últimos anos, a qual na verdade segue impregnada na Nação por todo este período de “redemocratização”. A lista de aspectos nefastos da herança deixada pela ditadura militar no Brasil, não é pequena.

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