Cultura

Você sabia que…

… apenas na América do Sul, um terço das línguas indígenas correm risco de extinção? E que, segundo o presidente do Museu do Índio, José Carlos Levinho, entre 2025 e 2030 o número de línguas indígenas ameaçadas poderia chegar entre 30% e 40% das 160 existentes? Destes idiomas, há as que possuem apenas quatro ou cinco falantes

A língua tem sido, sempre, a companheira do Império
Antonio de Nebrija, humanista espanhol

UMA QUESTÃO DE LIBERDADE
Valorização Cultural como Auto-Afirmação da Nossa Identidade

“Um povo ignorante é instrumento cego de sua própria destruição.
Temos sido dominados mais pela ignorância que pela força”
Simón Bolívar

Agosto de 2017

A cultura está diretamente ligada ao sentimento do indivíduo, é a expressão mais viva da sua personalidade, da sua história, dos seus costumes, das suas raízes, das suas paixões. Soma de todas as realizações humanas transmitidas de geração a geração, a cultura é a auto-afirmação da nossa identidade, essência do ser humano que o sacia interiormente quando expressada livremente.

Através do próprio conceito de natureza, aproximamo-nos do conceito de cultura.

Para o neurololsta alemão Sigmund Freud (1856-1939), criador da psicologia moderna, a cultura inclui todo o conhecimento e poder conquistados pelos seres humanos para dominar as forças da natureza, e extrair dela bens materiais a fim de satisfazer suas necessidades. Por outro lado, segundo o teuto psicanalista a atividade cultural envolve todas as organizações necessárias para regular as relações dos seres humanos entre si, especialmente a distribuição dos bens naturais alcançáveis.

Já o antropólogo inglés Edward Burnett Taylor (1832-1917) definiu a cultura é aquele todo complexo que inclui o conhecimento, a moral, a lei, os costumes e outras faculdades e hábitos adquiridos pelo ser humano, como membro da sociedade.

O filósofo, político e cientista político italiano Antonio Gramsci (1891-1937) apontou a própria existência humana como processo de seus atos vividos, e todo o conhecimento e experiências adquiridos ao longo dos anos. Cada ser humano cresce não apenas com suas próprias experiências, mas também com a herança cultural da sua sociedade e até mesmo de outras, afirmava o legendário pensador sardenho.

A cultura compreende tanto elementos materiais tais como moradia, alimentação, vestimenta, arquitetura e obra de arte, entre outros, quanto imateriais como tipo de celebração, idioma, linguagem, literatura, lenda, prática esportiva, dança e música, ideias e ideais, princípios e valores, as mais diversas crenças não apenas em termos religiosos mas também em relação a, por exemplo, o que é sublime ou antiquado, e até bonito ou feio.

Diferentes, Não Superiores nem Inferiores

Ao contrário do que o sistema competitivo e individualista em que vivemos tenta-nos inculcar, não existem culturas superiores, mas sim diferentes. Certa vez, o jornalista Milton Neves fez esta feliz observação: “Quem esquece as raízes possui, no mínimo, caráter duvidoso”.

Gramsci observou: “Uma geração que ignora, desvaloriza e apequena a geração que a precedeu, que não consegue reconhecer sua grandeza e seu significado histórico e necessário, mostra-se mesquinha, que não tem confiança em si mesma ainda que assuma pose de gladiadora, e que exiba mania de grandeza”.

Apenas porque não gostamos, não entendemos ou não concordamos com outras maneiras de viver e enxergar o mundo, não podemos nos outorgar o direito de dizer como essas sociedades ou indivíduos devem se comportar, tentando impor-lhes nossa maneira de ser enquanto tal comportamento, por mais diverso que seja do nosso, não ferir a vida e a integridade moral do próximo.

Exatamente a intolerância às diferenças, propiciou a ascensão de regimes fascistas e nazistas em um passado não muito remoto.

Quando há valorização e respeito à própria cultura, algumas consequências naturais disso são aumento da auto-estima, valorização e respeito à cultura e a toda a história de outros povos, enxergando-os e admirando-os como diferentes, sim, porém jamais como inferiores, superiores e nem, muito menos, como inimigos. Outra consequência é ser valorizado por eles em retorno.

Essa sábia atitude, antes de tudo para consigo mesmo, também acaba levando naturalmente ao diálogo, à soberania e à convivência multicultural, universal e pacífica, calando sem maiores esforços vozes xenófobas e devastadoras.

No caminho inverso, a perda da identidade leva o indivíduo a ser facilmente dominado psicologicamente, tornando o terreno propício para a implantação do contemporâneo “poder brando” teorizado pela primeira vez em 2004 pelo professor de Harvard Joseph Nye, que consiste na imposição por parte de um corpo político ou de um Estado através de meios sutis, tais como o exercício da influência cultural e a midiática, ideologia tão dominadora quanto o tradicional “poder duro“, por meios militares e econômicos.

A língua é um dialeto, com exército e marinha
(Max Weinreich)

A língua desempenha particular papel na história dos crueis poderes opressivos em todo o mundo, conquistadores que invariavelmente utilizam a dominação cultural como um dos meios para explorar ou mesmo destruir um povo.

Diz o linguista brasileiro Marcos Bagno que “a língua é instrumento de controle social poderosíssimo, de opressão e repressão, de exclusão social e conservação dos privilégios”. Indagado por este jornalista sobre a difenciação que historicamente se faz entre línguas e dialetos mundo afora, o linguista americano Noam Chomsky, considerado “o pai da linguística moderna”, respondeu: “Em resumo, a distinção é sociopolítica, não linguística; um reflexo das estruturas de poder”.

Perguntada por este autor, em entrevista de agosto de 2017, se todos falam o idioma nativo chamorro na ilha de Guam, território a oeste do Oceano Pacífico colonizado pelos Estados Unidos desde 1950, a ativista pela descolonização Lisa Natividad respondeu: “Não, infelizmente nossa língua não é falada por todos de maneira que, agora, estou fazendo aulas para aprender minha própria língua… Outro subproduto da colonização!”.

Já a secretária de Políticas Linguísticas do Paraguai, Ladislaa Alcaraz, fez uma observação bastante oportuna sobre o papel da língua materna na vida do indivíduo, e da nação à qual pertence: “Um pedaço da pátria que se leva consigo”.

Enfraquecendo Consciências e Destruindo Culturas

A imposição de uma cultura sobre outra nos tempos atuais, tem substituído cavalos e artilharias militares que, ao longo da história, colonizaram nações inteiras. Conforme observa José Alfredo de Araújo, mestre em Educação e professor de História da Rede Pública do Estado da Bahia, “a educação é um mecanismo poderoso para imprimir os valores do grupo dominante”.

Goebbels

Joseph Goebbels, ministro de Propaganda de Adolf Hitler, disse certa vez: “Quando ouço falar em cultura, logo pego meu revólver”. Menor valorização cultural e opções ao seu acesso também acabam abrindo vácuo que, certamente, será preenchido por estado de depressão, uso de drogas e cometimento de crimes em geral entre a sociedade. E como já foi observado, acaba inevitavelmente favorecendo o discurso de ódio e preconceito, enfraquecendo consciências e destruindo culturas. É o atalho mais certo rumo à imposição de regimes tirânicos.

Grandes e Respeitados

Uma das maiores progressões do ser humano dá-se quando este avança na adoção de pontos de vista neutros, objetivos, imparciais e, ao mesmo tempo, profundos sobre outras culturas. Apenas possível valorizando e preservando a sua própria.

A preservação cultural é o que afirma a identidade de uma nação, fazendo-a grande e respeitada. É só uma questão de liberdade, valor inegociável do indivíduo e de um povo.

“A cultura é força”
Ludovico Silva, escritor e filósofo venezuelano

Convidamo-la, convidamo-lo a visitar a página de Poemas, onde também se encontra Ventos do Rio Grande – declaração de amor a alguém super-especial viajando pela história, geografia e cultura do Brasil! Leia também a crônica poética O Choro da América: exaltamos apaixonadamente a história, geografia, cultura e o povo latino-americano em mais de 500 anos de riquezas únicas, as quais têm atraído impérios de todas as épocas, na mais nova página do blog Uma Questão de Liberdade: Pátria Grande Portentosa – Paisagem & Cultura Latina. E ouça, aqui no Blog, 24 horas de música gaúcha e brasileira em geral, em Idiomas – Português.

“Nada em nosso sentir simboliza tão exatamente a pátria, como a língua nativa. Olhar através da língua que falamos e cuidá-la, vale tanto quanto cuidar das lembranças de nossos antepassados, das tradições do nosso povo e das glórias dos nossos herois”
Rufino José Cuervo, filósofo e humanista colombiano

“Para nós, as galegas e galegos, ó igual que para o resto dos pobos do mundo, a lingua é o xeito que temos de interpretar e expresármo-la realidade e a cultura. O idioma é a base das nosas experiencias, dos costumes, das festas, da arte, da música… en palabras dun dos nosos pensadores, ‘unha lingua é máis que unha obra de arte; é matriz inesgotable de obras de arte’. O galego é a ‘lingua propia de Galicia’ gracias ós millóns de persoas que ó durante moitas xeracións soubemos mante-la nosa lingua como sinal de afirmación colectiva, tanto nos momentos de maior esplendor, como nas situacións máis complicadas e difíciles”, idioma português-galego, Galiza, em galego.org

“As miñas invencións e as miñas maxias teñen non obstante un senso máis fondo, por riba e por baixo do que eu fago, eu quixen e quero que a fala galega durase e continuase, porque a duración da fala é aúnica posibilidade de que nós duremos como pobo. Eu quixen que Galicia continuase, e ao lado da patria terreal, da patria que son a terra e os mortos, hai esta outra patria que é a fala nosa”, Álvaro Cunqueiro, Galiza.

“Ella pure nel nostro Veneto idioma; ma colla scelta delle parole, e colla robustezza dei sentimenti, ha fatto conoscere che la lingua nostra è capace di tutta la forza e di tutte le grazie dell’arte oratoria e poetica, e che usata anch’essa da mano maestra, non ha che invidiare alla più elegante Toscana. Ella aveva ciò dimostrato altre volte in varie pubbliche azioni, nelle quali vuole il sistema di questa ben regolata Repubblica di Venezia che del proprio nativo idioma gli Oratori si valgano” (Ela também está em nossa língua vêneta; mas com a escolha das palavras e a robustez dos sentimentos, fez saber que nossa língua é capaz de toda a força e de todas as graças da oratória e arte poética, e que também usada com mão de mestre não tem que invejar a mais elegante Toscana. Ela já o tinha demonstrado outras vezes em diversas ações públicas, nas quais o sistema desta bem regulamentada República de Veneza exige que os Oratórios utilizem a língua materna), Carlo Goldoni em Le Messere, língua vêneta

“Il est donc à croire que les besoins dictèrent les premiers gestes, et que les passions arrachèrent les premières voix” (É de se acreditar que as necessidades ditaram os primeiros gestos, e que as paixões arrebataram as primeiras vozes), Jean-Jacques Rousseau, De l’Origine des Langues, 1781, em francês; citado em Histoire du Français.

“La parladura Francesca val mais et [es] plus avinenz a far romanz e pasturellas; mas cella de Lemozin val mais per far vers et cansons et serventés; et per totas las terras de nostre lengage son de major autoritat li cantar de la lenga Lemosina que de negun’autra parladura, per qu’ieu vos en parlarai primeramen” [A língua francesa é mais digna e mais adequada para romances e pastoures; mas (a língua) de limousin (provençal) é de maior valor para escrever poemas, canções e músicas poeticas; e em todas as terras onde nossa língua é falada, a literatura na língua limousin tem mais autoridade do que qualquer outro dialeto, portanto usarei este nome com prioridade], Raimon Vidal de Bezaudun, Razós de trobar em idioma provençal

“Le lingue locali o dialetti sono un bene culturale immateriale dell’umanità. Come ogni lingua, i dialetti sono veri e propri scrigni che custodiscono la cultura, la storia, il modo di essere e pensare di una comunità. In poche parole, le lingue sono l’elemento identitario più importante” (As línguas ou dialetos locais são um bem cultural imaterial da humanidade. Como qualquer língua, os dialetos são verdadeiros baús de tesouro que preservam a cultura, a história, o jeito de ser e pensar de uma comunidade. Resumindo, os idiomas são o elemento mais importante da identidade), Patrizia Del Puente, em italiano no prefácio do Dizionario del Dialetto di Genzano di Lucania.

“Tradition: das sind die Wurzeln im Boden der Geschichte, die Halt, Identität und Echtheit geben. Immer wieder neu interpretiert und zeitgemäßen zwecken behutsam angepasst, wird Tradition aber auch zu Flügeln, die in die Zukunft tragen” (Tradição: são as raízes no solo da história que dão estabilidade, identidade e autenticidade. Sempre reinterpretada e cuidadosamente adaptada aos propósitos contemporâneos, a tradição torna-se também asas que levam ao futuro), Remaraweng Boarisch, em alemão no sítio alemão-bávaro.

“Puisqu’ on ne peut être universel et savoir tout ce qui se peut savoir sur tout, […] il est bien plus beau de savoir quelque chose de tout, que de savoir tout d’une chose; cette universalité est la plus belle” (Como não podemos ser universais e saber tudo o que se pode saber de tudo, […] é muito mais bonito saber algo de tudo, do que saber tudo de uma coisa; essa universalidade é a mais linda), Blaise Pascal, Pensées, Section I, n. 37, em francês

“A vida da humanidade (…) não se desenvolve sob o regime de uma uniforme monotonia, mas através de modos extraordinariamente diversificados de sociedades e civilizações”
Levi-Strauss

Diga-me do que você se vangloria, e direi do que você carece
Vezo popular venezuelano

A educação que não é emancipatória, faz com que o oprimido queira se transformar em opressor
Paulo Freire

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